domingo, 5 de junho de 2016

Valsa dos 15 Anos



    
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Pouco mais das 21 horas, na mansão dos Rosembergues, Caminho das Árvores, elegante bairro da Pituba, em Salvador-BA, era intensa a chegada dos convidados. Um segurança postado junto ao portão de entrada, anunciava com um microfone, os nomes dos recém-chegados. Diversos garçons se revezavam acompanhando os convidados para suas mesas, estrategicamente espalhadas em volta da piscina. A orquestra contratada já ensaiava os primeiros acordes para o início da festa. O casal Rosembergue passava de mesa em mesa, sorridentes e dando as boas vindas aos convidados, na maioria adolescentes como a aniversariante. Sua filha única comemorava, naquela noite, 15 anos de idade.
Lilian, trajando um deslumbrante vestido branco longo branco, contrastando com seus olhos verdes, os cabelos loiros e sedosos caindo-lhes sobre os ombros e costas, irradiava alegria e felicidade por onde passava.
Caminhando entre as mesas, apertava as mãos dos colegas do colégio. Da maioria deles, ouvia sempre o mesmo incentivo: "Vai dar tudo certo, Lilian. Vai correr tudo bem!"
Numa dessa mesas, Tereza, sua melhor amiga, colega e confidente, disse:
- Vai correr tudo conforme o figurino traçado, Lilian. Tenho certeza que vai. Cruze os dedos e pense sempre positivo. Sua tática de somente apresentar o Fábio para seu pai, na noite de hoje, foi mais que acertada. Acho que ele não irá mesmo fazer uma baixaria no meio de todos aqui presentes.
Lilian respondeu, sem conseguir esconder seu nervosíssimo, por trás do sorriso angelical. 
- Tereza, estou com medo de não dar certo. Eu conheço muito bem o meu pai....
- Deixe de ser pessimista, Lilian - incentivou a outra, - ele não vai provocar um terremoto, logo na festa dos seus 15 anos!
- Deus lhe ouça Tereza, Deus lhe ouça.  
Respondeu, deslocando-se para outras mesas.
- Sei não - comentou um rapazinho ao lado, - Mas acho que a Lilian deveria ter sentado com o pai e ter-lhe exposto toda a situação. E se o coroa, em meio a tudo isso aí escamar, trombar com as pretensões dela!
- Escute Beto - disse Tereza, - Para o Sr. Rosembergue consentir o namoro de Lilian com Fábio, acho que somente mesmo com essa armação que ela articulou, apresentando ele de surpresa e no meio de todo mundo, na festa. Lilian crê e está mais do que certa que, seu pai cederá diante dos amigos e colegas dela. Até mesmo para não bancar o descortês, o pai carrasco, racista e até provocar um constrangimento geral... sei lá!
Tereza sorveu um gole de guaraná, olhou para Lilian, distribuindo simpatias entre os convidados e comentou, um tanto descrente:

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- Eu para falar a verdade, acredito que o assunto é muito sério para dar certo. O Sr. Rosembergue tem lá as suas convicções enraizadas. E muito bem enraizadas, pelo que a Lilian nos conta. Bem, dentro de instantes teremos a resposta. Só não podia mesmo era demonstrar o meu pessimismo perto da Lilian. A coitada está com os nervos à flor da pele!

Cerca das 22 horas, Lilian verificou sua lista e confirmou a presença de todos a quem convidou. Fez um gesto para seus pais com a mão e eles subiram na pista improvisada de dança. A filha os seguiu. O pai aproximou-se do microfone, perto da orquestra e começou, após se fazer silêncio:
- Boa noite. Vou ser o mais breve possível com vocês, porque sei que estão ansiosos para dançar e se deliciarem aí atrás, nesse magnifico bufê. Bem, todos sabem que a Lilian é nossa filha única e hoje comemora seus 15 anos de idade. Durante a semana, chamei ela e pedi-lhe que escolhesse o presente que desejava receber nessa data inesquecível. E acentuei: fosse o que fosse, custasse o que custasse, eu lhe atenderia. Lilian simplesmente pediu, como presente de aniversário, a minha permissão para namorar um rapaz de 18 anos, colega do colégio. Disse que, se eu atendesse seu pedido, iria me apresentá-lo hoje aqui. Respondi-lhe que consentia o namoro. Pois bem, minha filha Lilian, volto a dizer: você tem o meu total consentimento para namorar com esse rapaz, inclusive a permissão para ele frequentar a nossa casa. Aproveito para chamá-lo aqui e dividir comigo, a sua tão esperada valsa dos 15 anos. 
Uma estrondosa salva de palmas, gritos e assobios explodiu no jardim da mansão.
Ao silenciar, Lilian tomou o lugar do pai ao microfone e chamou:
- Fábio, por favor...
Um rapaz simpático, negro, cabelos crespos, cortado baixo, trajando um impecável terno azul claro, levantou-se da mesa onde estava com alguns colegas e amigos. Encaminhou-se para a pista de dança, debaixo de uma calorosa e barulhenta salva de palmas. O Sr. Rosembergue olhou para a filha, já com o semblante completamente transformado e disse, de forma ríspida:
- Mas Lilian, que brincadeira de mal gosto é essa? Se é que posso classificar uma aberração dessa como brincadeira! Você, em momento algum, me disse que o rapaz é negro!
As palavras do pai, ecoou por toda  festa, através do potente sistema de som, provocando terrível desconforto entre os presentes. Fábio, visivelmente constrangido, subiu os três degraus de acesso ao tablado. Lilian implorou:
- Meu pai, pelo amor de Deus, depois conversaremos sobre isso.

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O Sr. Rosembergue voltou-se para o rapaz que se aproximava e disse com rispidez: 
- Ouça bem, Sr. Fábio, a minha filha, em hipótese alguma, tem a minha permissão para namorar com você!
A mãe tentou apaziguar:
- Rosembergue, pelo amor de tudo quanto é santo, não estrague a tão esperada festa da nossa filha. Você prometeu que consentiria o namoro!
- Eu repito - explodiu ele, quase fora de si, - não sabia que o rapaz é negro e a Lilian sabe muito bem das minhas convicções! Por favor Sr. Fábio, queira retirar-se da minha residência, o mais breve possível!
Lilian chorando, deixou o local quase correndo, para o interior da mansão. Fábio abaixou a cabeça, deu meia volta e se encaminhou para o portão de saída. Os amigos e colegas da aniversariante também foram, discretamente, se retirando. Minutos mais tarde, todos tinham ido embora.
A senhora Rosembergue entrou na casa, sentou-se no sofá onde estava a filha e apoiou a cabeça dela no seu ombro. O corpo de Lilian se estremecia a cada soluço.
O Sr. Rosembergue chamou os encarregados do bufê, da orquestra e pediu que levassem tudo dali. A tão esperada festa dos 15 anos da sua filha, tinha terminado antes de começar. 

Minutos mais tarde, ele encaminhou-se para o interior da residência. Aproximou-se da filha, sentada com a mãe, no sofá e ordenou:
- Lilian, fique de pé - Ela, com os olhos lacrimejantes, obedeceu. O pai prosseguiu. - Filha, você namora com esse rapaz negro há quanto tempo?
A moça reprimiu um soluço e respondeu:
- Eu e Fábio somos apenas bons amigos, meu pai. Apenas flertamos há pouco menos de um ano. Namorar mesmo nós queríamos a partir de hoje, com o seu consentimento e da minha mãe. Fábio propôs que fosse assim; não quer nada às escondidas.
- Mas minha filha - ponderou o pai, - onde é que está o seu juízo? Porque foi optar por um negro?! Existem milhares de rapazes brancos por aí!
- Meu pai disse ela, - antes do Fábio eu flertei com alguns rapazes brancos, loiros de olhos verdes ou azuis, como o senhor tanto insinua. Mas, com o tempo, descobri que o meu coração somente sente alegria, paz, amor, tranquilidade e segurança quando estou ao lado de Fábio!
- Filha - tentou ser compreendido, - você já pesou bem as consequências futuras se você casasse com esse negro? Você imaginou como nascerão seus filhos? Serão mulatos ou sararás, cabelos pixains grudados no couro da cabeça! Pense nas críticas, nos olhares enviesados de reprovação que lançarão nas ruas ou em qualquer lugar por onde você, seu marido e esses filhos passarem! 

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- Meu pai - disse ela - eu amarei esses filhos, sejam como forem. Eles serão os frutos do meu amor com Fábio...
- Filha - interrompeu ele, - um coração com apenas quinze anos, ainda não distingue um amor verdadeiro de uma paixão passageira. Isso passa, Lilian. O que você sente por esse negro, é nada mais nada menos que uma paixão, reflexo da sua imaturidade e inexperiência. Vocês já chegaram a se tocar? Esse negro está, de uma forma ou de outra, lhe viciando sexualmente, estou certo?
Lilian meneou levemente a cabeça de forma negativa e respondeu:
- Meu pai, Fábio jamais faltou com o respeito, em relação a mim. Apenas nos beijamos; nada mais que isso...
A bofetada desferida na face esquerda da filha, foi dada com tamanha violência que seu frágil corpo foi jogado de volta ao sofá. A mãe repentinamente, levantou-se em defesa da filha.
- Rosembergue, não faça mais isso, contenha-se!!
Voltou a sentar-se e abraçou-se à filha. As duas em prantos.
O pai, decidido, caminhou para o telefone sobre uma mesinha ao lado do sofá e discou...
- Alô, Jacson? Foi bom tê-lo encontrado em casa... Já estava de saída? Que sorte a minha, então! E o tempo aí em Paris?... Sei, bastante frio nessa época... Sim sim, a Lilian recebeu o presente seu e da Bianca. Ela ficou deslumbrada!
Pois é Jacson, te liguei justamente para te falar sobre a sua sobrinha... Não, não está havendo a sua tão esperada festa dos 15 anos... Pois é, mano. Terminou antes de começar... Jacson, deixe te explicar: está ocorrendo um problema seríssimo aqui! Se está de pé, sente-se para não cair. A minha filha está apaixonada por um rapaz negro... É... negro retinto. Isso mesmo que você acaba de ouvir. São colegas onde ela estuda... Pois é mano, estou pensando em mandar ela passar as férias aí com vocês. Inclusive, se persistir nessa amizade, deixo-a logo aí na França até completar a maioridade e tomar juízo... Sim, já está de férias desde a semana passada. mano, hoje é sexta-feira. Na segunda, providencio passaporte e toda documentação necessária... Até o próximo fim de semana ela viaja... Pois é mano, vou até as últimas consequências para não ver a minha filha casar com um negro!... Está bem mano, segunda-feira te ligo novamente. E adianto logo: estou mesmo propenso a deixá-la estudando aí até completar os 18 anos... É, como castigo... Lembrança pra Bianca... Tchau mano.
Voltou-se para a filha, agora perplexa ao ouvir sua conversa com o irmão e ordenou, autoritário:
- A partir deste momento, a senhorita está proibida de sair desta casa sem a minha estrita ordem, estamos entendidos? Agora suba para o seu quarto e mantenha-se lá.
Chorando, Lilian subiu para o primeiro andar da residência.

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Cerca de uma hora da madrugada, um táxi parou no fundo do carro usado de Fábio, estacionado em frente da pequena casa da sua mãe, viúva, onde ele residia com ela, na Rua São José, bairro do Uruguai, na Cidade Baixa.
Lilian pagou a corrida, saltou e bateu levemente na porta. Fábio, de chinelos, ainda vestido com a calça e camisa da festa, assustou-se ao ouvir a voz dela. Abriu a porta. Lilian trajava saia jeans e blusa decotada.
- Lilian?!!
- Agora não me pergunte nada, Fábio - pediu. - Me leve para um lugar deserto. Preciso conversar com você a sós!
- Um momento Lilian, vou vestir uma roupa mais leve e pegar a chave do carro. Minha mãe está dormindo. Não comentei nada com ela da reação negativa do seu pai  ao nosso namoro. Foi melhor assim, por isso dorme tranquila. Eu mesmo, até agora, não consegui conciliar o sono.
Lilian lamentou:
- Eu imagino, Fábio. E sinto muito pelo constrangimento pelo qual você passou! Agora vá se trocar, pois preciso urgentemente falar com você...

Minutos depois, entraram no carro e seguiram para a praia do Porto da Barra.
Fábio estacionou junto a mureta de proteção. A lua clara, iluminava a madrugada e as estrelas cintilavam no firmamento. Os dois caminhavam descalços e sentaram-se de frente para as ondas serenas. 
Fábio, acariciando o rosto de Lilian, comentou:
- Você me parece assustada! Porque arriscou-se a pegar um táxi a essa hora da madrugada? Porque ficar a sós comigo?
O que está acontecendo, Lilian? A sua face esquerda está um tanto avermelhada! Percebi logo que abri a porta! O que houve, querida?!
Lilian, os olhos inundados de lágrimas, começou a relatar:
- Meu pai me esbofeteou e vai me mandar para a França, logo que meu passaporte seja liberado. Vou para a casa do tio Jacson. Ele quer me deixar lá até completar 18 anos. É o castigo que estou recebendo por gostar de você, Fábio. Meu pai acha que, com a distância e o tempo, eu o esquecerei!
Fábio sentiu um leve arrefecimento no coração. Respirou profundo e perguntou:
- Seus pais não sabem que você deixou a casa a essa hora da madrugada, estou certo?
Lilian respondeu de forma decidida:
- Sim, não sabem. Eu fugi de casa decidida a me entregar a você, de corpo e alma... 
Tirou a blusa deixando os seios erectos desnudos e pediu:      - Fábio, eu não quero mais retornar para a minha casa. Eu quero que você faça de mim sua mulher, agora! Quero ir morar contigo, faça de mim o que quiser e lhe apetecer! Eu o amo muito e sei que não conseguirei suportar esses três anos distante de você! Faça de mim mulher, sua mulher...

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Fábio vestiu de volta a blusa dela e aconselhou:
- Lilian, não é por esse caminho que iremos resolver o nosso problema. Lembre-se que você, com apenas quinze anos, ainda não passa de uma menina crescida. Se fizermos o que me propõe, complicaremos muito mais, a nossa situação. Mesmo, por mais que achemos que o seu pai esteja errado, temos de reconhecer que, apesar de tudo, ele só está querendo o seu bem. Atenda ao seu pai, Lilian. Vá para onde ele está lhe mandando. Aos 18 anos, você estará física e mentalmente mais amadurecida. Então, de maior idade e independente, poderá tomar as decisões que quiser. Aí poderemos nos casar, com ou sem o consentimento dele.
Lilian balbuciou, a voz entrecortadas por soluços:
- Eu tenho medo de lhe perder, Fábio. Eu tenho medo...
- Lilian - aconselhou ele, afagando seus cabelos sedosos e enxugando as faces molhadas, - lembre-se que a França não é o fim do mundo e nem três anos são três séculos! Eu estarei aqui lhe esperando... Quem sabe, nesse meio tempo, seu pai perceberá que a diferença de cor da nossa pele, não é motivo tão grave para nos separar e nos fazer sofrer tanto. Quem sabe...
Em seguida os rostos foram se aproximando e seus lábios se uniram suavemente...
- Vamos Lilian, vamos para a minha casa. Você ficará com a minha mãe e, amanhã cedo, a levaremos para seus pais. Já é madrugada.

Quando os dois entraram na casa, dona Joana, a mãe de Fábio estava sentada na sala, a luz acesa. Ela indagou:
- Filho, o que houve? Porque a Lilian está a essa hora com você? Onde estavam? O que está acontecendo? Porque ela está com os olhos avermelhados como que chorou?!
- Minha mãe - disse Fábio, - a Lilian está um tanto desnorteada. Seu pai foi contra o nosso namoro. Acabou com a festa dela e vai mandá-la para a França até completar a maior idade. Num gesto de desespero, Lilian fugiu de casa. Bem, já a convenci voltar. Pela manhã a levaremos. Acho melhor ela dormir aqui até o amanhecer.
- Você não a molestou, não é filho?
- Claro que não, minha mãe. Confie em mim.
Dona Joana segurou na mão de Lilian e chamou:
- Venha filha, vou fazer um café fresquinho. Você está gelada! Minha cama é larga. Você dormirá comigo - na beira do fogão ela prosseguiu. - Fábio, não lembro se já lhe falei, é órfão. Deus levou seu pai muito cedo. Em compensação me deixou esse filho trabalhador, estudioso e ajuizado. Foi através do último emprego, onde Valdomiro faleceu, que tivemos a sorte de conseguir a bolsa de estudos do colégio onde vocês estudam.

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Mais tarde, deitadas, Lilian comentou: 
- Dona Joana, eu amo muito o seu filho, muito mesmo!
- Ele também a ama, filha. Um dia até o alertei quando soube do flerte de vocês. Disse-lhe: filho, se prepare, a cor da nossa pele talvez o faça sofrer muito com esse princípio de romance. Longe de eu ser complexada. Mas, desde a tenra infância, sentimos no dia a dia, o quanto somos discriminados por onde passamos.
Lilian comentou:
- Fábio já está sofrendo humilhações terríveis, dona Joana! Mas, quando eu completar 18 anos, poderei tomar minhas decisões com independência. Aí então casarei com Fábio. Eu posso vir morar aqui, depois do casamento? Sei que Fábio a ama muito e não vai querer ficar longe da senhora. Eu cuidarei da minha sogra e Fábio cuidará de nós duas. Se a senhora me aceitar, dona Joana, ficarei muito grata e feliz. Vai ser maravilhoso residir aqui. Sua casa é muito aconchegante.
Dona Joana sorriu e agradeceu:
- Você será muito bem vinda à nossa humilde casinha. Eu a receberei de braços abertos, como nora e como filha.
- Obrigada, dona Joana. Tudo vai dar certo. Serei paciente e... como disse Fábio há pouco, na beira da praia. A França não é o fim do mundo e três anos não são três séculos...

Por volta das oito horas, Fábio estacionou seu carro junto ao portão central da mansão da família Rosembergue. Ao lado estavam uma viatura da Polícia Militar e outra da Civil. 
Depressa um dos policiais avisou, pelo rádio, a chegada dos três. Os pais de Lilian vieram correndo, ao encontro da filha. Lilian passou pelo pai e abraçou-se com a mãe.
Dona Joana disse para o Sr. Rosembergue:
- Sua filha dormiu comigo, na mesma cama. Chegou lá em casa quase madrugada, assustada, desnorteada, chorando!
Voltou-se para Lilian, abraçada com a mãe e despediu-se:
- Adeus Lilian, adeus, dona Celina, adeus, Sr. Rosembergue. Vamos filho.
Quando iam se retirando, dona Celina caminhou até Fábio e agradeceu:
- Fábio, obrigado por ter preservado a nossa filha! Deus é quem há de lhe pagar tão honroso, respeitoso e sublime gesto!
- Senhora Celina - respondeu Fábio, - eu jamais maltrataria um inimigo, se por um acaso tivesse. Como então seria capaz de maltratar a pessoa a quem tanto amo. Vamos minha mãe. 
Antes de ultrapassarem o portão, Lilian apressou-se, os alcançou e disse, com os olhos inundados de lágrimas:

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- Fábio, a França não é o fim do mundo...
Fábio completou:
- E três anos não são três séculos...
Em seguida, segurou a mão da mãe, entraram no carro e partiram, deixando Lilian em prantos.
O Sr. Rosembergue se desculpou com os policiais pelo mal-entendido e eles, compreensivos, se despediram. Entraram nas suas respectivas viaturas e também foram embora.
Lilian, reprimindo os soluços, se aproximou do pai e, olhando fixamente para seus olhos, disse com os lábios trêmulos:
- Meu pai, antes de conhecer o Fábio, como já lhe falei, cheguei a namorar, flertar com alguns outros rapazes. Alguns  brancos, loiros como o senhor tanto enaltece. Todos eles, com menos de uma hora de conversa, já queriam me levar pra cama - fez uma breve pausa e finalizou. - Fábio, meu pai, é um homem com todas as letras maiúsculas, mas infelizmente, o senhor só enxerga a cor da sua pele!
Disse isso e se encaminhou, chorando, para o interior da mansão. A mãe aproximou-se do marido e disse:
- Rosembergue, olhe bem para dentro dos  meus olhos e escute o que tenho a lhe dizer - ele o fez, ela prosseguiu. - Rosembergue, durante a fase do nosso namoro e mais tarde noivos, percebia certas atitudes racistas de sua parte. Se tivesse a certeza de que isso se acentuaria tanto, tanto para chegar aonde chegou, eu lhe juro, pelo que há de mais sagrado dentro de mim, jamais teria subido ao altar com você! Jamais...
Soluçando, seguiu para onde estava a filha. O Sr. Rosembergue olhou para o portão por onde Fábio e a mãe saíram, fitou a residência onde, no seu interior, mãe e filha choravam. Mordeu o lábio inferior e disse para si mesmo, em voz alta:
"Meu Deus, estou perdendo o amor das pessoas que amo!"
Após uma breve pausa, lamentou: "A troco de que? A troco de que?..."

Minutos depois, num visível arrefecimento, entrou na residência, pegou uma cadeira e sentou-se junto ao sofá, de frente para a esposa e a filha. Segurou as mãos de Lilian e disse, com a voz um tanto embargada:
- Estou lhe magoando muito, não é minha filha?
Lilian, os olhos marejados, respondeu, num fio de voz:
- O senhor não imagina o quanto, meu pai! O senhor não imagina!
- Filha - relembrou ele, - quando você nasceu, o funcionário do cartório errou na data do seu nascimento. Pôs um dia a menos na sua certidão. Você nasceu no dia 21 e não 20. Isso quer dizer que, oficialmente, você nasceu na data de ontem mas, biologicamente, você completa 15 anos de idade, hoje. 

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Lilian voltou-se para a mãe, num olhar interrogativo. Ela confirmou:
- Sim filha, é verdade. Nunca lhe dissemos nada porque é um troço tão irrelevante.
Lilian indagou para o pai:
- Porque o senhor está relembrando esse detalhe, meu pai?
A resposta foi incisiva:
- Porque é hoje que vamos comemorar verdadeiramente os seus 15 anos e oficializar o seu namoro com Fábio.
Mãe e filha abriram desmesuradamente os olhos. Lilian exclamou, com o rosto repentinamente iluminado:
- Meu Deus, meu Deus!!
- Bem - disse o pai, - vocês vão ligar para os responsáveis pelo bufê, pela orquestra, e convidar novamente, todas as pessoas que estiveram aqui ontem, inclusive, contando do erro do cartório na data de nascimento...
Lilian interrompeu pedindo:
- Meu pai, vou ligar para Fábio e...
- Não filha, eu mesmo lhe farei o convite e dizer-lhe da minha nova atitude. Cuide com a sua mãe dessas coisas e me dê o endereço de Fábio. Vou convidá-lo pessoalmente.
Lilian segurou nos ombros do pai, olhou fixamente dentro dos seus olhos e perguntou:
- Meu pai, como? Porque essa drástica mudança, assim tão repentina?! Suas convicções estavam enraizadas de há muito! Como? Porque? Somente você, meu pai, tem a resposta para isto que considero um fenômeno!!
- Lilian minha filha - disse ele pausadamente, puxando-a para si e afagando-lhe os cabelos sedosos, - digamos que, simplesmente, o amor venceu...
Lilian beijou-lhe o rosto seguidas vezes e disse:
- Eu o amo, meu pai, eu o amo muito muito!
- Eu também a amo, minha querida filha. Agora vamos cuidar da sua festa.

Mais tarde, o Sr. Rosembergue bateu à porta da casa de Fábio. A mãe atendeu:
- Bom dia, senhora Joana - saudou. - Eu queria falar com o seu filho.
A mulher o acompanhou até a porta do quarto e disse, apontando para a cama onde Fábio, deitado de bruços, soluçava:
- O meu filho é muito sentimental, senhor Rosembergue. 
O pai de Lilian sentou-se á beira da cama e disse para o rapaz que se levantou repentinamente e, assustado, enxugava os olhos:
- Fábio, obrigado por essas lágrimas estarem sendo vertidas por minha filha! Eu vim aqui para lhe fazer um convite, mas primeiro quero lhe explicar um pequeno detalhe. A certidão de nascimento de Lilian, traz um erro na data de registro. Lilian, realmente veio ao mundo no dia 21 e não 20. Por isso, vamos comemorar seus 15 anos, logo mais à noite. A minha vinda aqui, foi especialmente para convidá-lo a dividir comigo, a valsa dos quinze anos com ela, já na condição de namorado. Inclusive, a partir de agora, você tem permissão para frequentar a minha casa - voltou-se para a mãe de Fábio e completou. - O convite, é claro, também estende-se à senhora, dona Joana. Afinal, um dia também fará parte da família.
Despediu-se e foi embora, deixando mãe e filho, completamente abobalhados.

À noite, a mansão dos Rosembergues fervilhava. A mesma orquestra, um novo bufê, os mesmos convidados.
Sentadas à mesa, a mãe de Lilian, ao lado de dona Joana, deslumbradas e emocionadas, irromperam em lágrimas quando o Sr. Rosembergue bailou com a filha, o início e até a metade da valsa, Contos dos Bosques de Viena e, logo após, entregou Lilian ao seu namorado, para dar prosseguimento a sua tão esperada... Valsa dos 15 Anos.


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