domingo, 5 de junho de 2016

O Vira-Lata Fura-Fura


      Esta é uma história verídica, ocorrida no ano de 1983.

                                                                                            
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Parei meu caminhão em frente da Casa de Peças Rodobrec, para veículos pesados, na cidade de Santo Estevão - BA.
Quando verificava os pneus, meu amigo João Bango, proprietário da casa se aproximou:
- Orlando de Deus, me parece que você hoje, vai ser a minha salvação! Tá indo pra onde?
Polo Petroquímico de Camaçari, Bango.
- Ora ora. Então você vai me quebrar um senhor galho. O problema é o seguinte: minha filha, que reside em Salvador, passou uns dias aqui com o meu genro e netos. Umas duas horas atrás, viajaram deixando seu cachorrinho de estimação, o Fura-Fura. Desde ontem o que o danadinho estava sumido no mundo. uma hora depois que eles saíram, o safadinho apareceu todo sujo, cansado. Passou a noite inteira e esse pedaço do dia atrás de cadelas no cio. Pois bem, minha filha ligou há pouco, daquele posto de abastecimento da BR-324, antes da entrada de Candeias, no quilômetro 46. Já ia manobrar o carro pra vir buscar o cachorro, quando avisei que ele apareceu. Ida e volta até onde estão, são mais de 200 Km. Eu avisei que logo apareceria um conhecido e o levaria. Esse vira-lata é a alegria deles, Orlando. Você me quebra esse galho? Já dei banho nele, tá limpinho e onde estão esperando é caminho seu.
Cocei a cabeça e respondi:
- Olha Bango, levar eu levo, não tem problema. Mas essa carga que levo aí é rápida. Melhor dizendo: é rapidíssima. Tenho um prêmio de dois mil cruzeiros [moeda da época], quase o valor da metade desse frete, se entregá-la até às 18 horas. São três da tarde. Você me garante que esse cachorro não vai me atrasar? Tampei de São paulo, praticamente rodando dia e noite, quase num fogo só, visando esse prêmio! Disseram que se passar desse horário, sem entregar o produto químico que levo, a fabrica pára e vai ser um prejuízo da gota serena, pra eles e pra mim também que perco o premio.
- Mas é claro que não vai lhe atrasar em nada, Orlando. O máximo que pode acontecer é ele querer mijar ou fazer seu cocozinho. Aí o Fura-Fura dá um aviso: late duas vezes seguidas, coisa rápida. 
- Tá bem, concordei, traga o cachorro.
João foi dentro da casa, no fundo da loja de peças e retornou com o cãozinho nos braços. Colocou-o no sofá cama e avisou:
- Fura-Fura, esse aí é o tio Orlando, obedeça a ele.
- Não tem uma coleira, uma corrente? - Perguntei:
- Precisa não - respondeu ele, - basta chamá-lo pelo nome e logo lhe obedece. O meu genro está lhe esperando num automóvel branco, em frente ao bar e restaurante do posto.
Acariciou o cachorro e se despediu de mim com um sorriso de agradecimento.
Sentei por trás do volante. O vira-lata veio até a mim e cheirou meu braço direito, sacudindo alegremente o rabinho.
Comentei para mim mesmo, em voz alta, arrancando com o caminhão e dando prosseguimento a viagem: "Fura-Fura... que nome mais sem graça pra se botar num cachorro!"
    
                                                      
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Depois de Feira de Santana, antes do Posto São Gonçalo, o 
cãozinho latiu duas vezes seguidas. Liguei o pisca para a direita e pensei: "O molequinho quer ir ao mato. Bem que, de alguns minutos aí pra trás, ele ficou meio inquieto! Aproveito, tomo um cafezinho e, como no posto tem "orelhão" [nesse tempo, celular era perna de cobra], dou uma ligada pra fábrica, avisando que vou chegar no horário combinado."
Parei o carro em frente do restaurante e desci o cãozinho. Avisei, enquanto ele corria pros fundos do prédio:
- Olha lá, seu Fura-Fura, vê se não vai demorar!
Após o cafezinho, segui pro telefone público. Desisti: tinha três pessoas na fila. Corri as vistas pela área do posto e nada do Fura-Fura! Verifiquei o relógio de pulso. Meio nervoso me apressei até o fundo do posto. Nada do cachorro! "Mas onde está esse vira-lata?"
Quando contornei a casa da borracharia, voltei correndo pro "orelhão". Um carreteiro, ao lado da esposa e da filha, se preparava para discar. Quase arrebato o fone da sua mão:
- Me dê a frente aí, colega, é caso de vida ou morte!
Assustado ele me cedeu a vez. Não tinha fichas; liguei a cobrar:
"Alô, aqui é Deodato..."
- É você, Deodato? Aqui é Orlando...
"Orlando, onde você está? Vai dar pra chegar aqui até as 18 horas? A fábrica vai parar se você não cumprir o combinado. A chefia geral mandou lhe avisar, se você ligasse, que o premio foi dobrado se chegar aqui à tempo."
- Eta ferro, Deodato! Praticamente um frete São Paulo - Camaçari de prêmio! Escute Deodato, Já estou no Posto São Gonçalo, aqui na BR-324. Aconteceu um imprevistozinho, mas pode avisar pra chefia que, até às 18 horas, estarei aí na porta da fábrica. Eta lasqueira! Que premio Deodato!! 
Me desculpei com o colega, desliguei e liguei novamente:
"Alô, casa de peças Rodobrec..."
- Alô, João Bango aqui é o Orlando.
"Orlando, meu amigão, o que houve? Você me parece nervoso!"
- E não é pra menos, Bango. Estou arriscado a perder o premio, agora dobrado, no valor total do frete que levo, por causa do seu cachorro!
"Mas o que aconteceu com o Fura-Fura, Orlando?"
- Bem, expliquei, primeiro ele latiu duas vezes seguidas. Eu parei aqui no Posto São Gonçalo pra que ele mijasse ou qualquer coisa mais. Nisso ele correu pro fundo do posto e sumiu. Quando fui procurar o safadinho...
Olhei para a esposa e a filha do colega ao meu lado e, discretamente, coloquei a mão em forma de concha no fone  sussurrando: Aí o Fura-Fura está, bzzzzzzz, bzzzzzz, bzzzzzz. Você acha que isso vai demorar, Bango?
"Não demora não, Orlando. Mas fique de olhos abertos. Quando ele terminar, ponha logo na cabine, Do contrário, se recomeçar de novo, aí é outra demora. E evite a violência nesses casos, pois pode aleijar os bichinhos. Meu genro ligou há pouco. Continua esperando no local combinado. Quá, quá, quá, esse Fura-Fura não é uma graça, Orlando?"
Desliguei o telefone remoendo um palavrão. Agradeci ao colega que me cedeu a vez e me encaminhei para o fundo do restaurante. Lá, sentei numa tora de árvore. Ao meu lado, um monte de cães vadios, irrequietos. No meio deles estava o Fura-Fura, na maior tranquilidade, "engatado" numa cadelinha faceira. Olhei o mostrador do relógio e resmunguei em voz alta:
    - Vê se anda rápido com essa pouca vergonha aí, seu taradinho! Não é à toa que você tem esse nome.

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